quarta-feira, 18 de junho de 2008

Síntese da cozinha do elBulli

Três meses depois de iniciado o curso, feitas as provas e faltando só entregar as monografias, posso falar do que aprendi com Adrià.

Primeiro, descobri que sua cozinha não é sinônimo de gastronomia molecular, nem de espumas, pozinhos e que tais. Embora ele possa lançar mão de produtos químicos para criar efeito e surpreender, isso é apenas parte de uma estrutura muito maior e bem elaborada.

Ferran Adrià vende – aparelhos, utensílios, produtos químicos, livros, comida, mas principalmente a própria imagem – é o melhor marketing pessoal que já vi. Ele ainda tem um rigoroso método de catalogar as próprias criações e sua evolução, pois está certo de que o tempo lhe dará lugar de destaque na História da Gastronomia.

Por falar em criação, o curso reforça que criatividade não é um dom com o qual algumas pessoas são agraciadas, mas algo que se obtém com método e disciplina. São inúmeras as técnicas para criar, inspiradas em várias fontes, algumas presentes no dia-a-dia. E existem graus variados de criatividade: você pode criar uma nova receita, ou uma nova técnica culinária, que vai permitir inúmeras combinações e resultar em centenas de novas receitas.

Os “mandamentos” abaixo sintetizam porque o elBulli é o número 1 do mundo:

1. A cozinha é uma linguagem através da qual se pode expressar harmonia, criatividade, felicidade, beleza, poesia, complexidade, magia, humor, provocação, cultura.

2. Pressupõe-se o uso de produtos de máxima qualidade e o conhecimento das técnicas para elaborá-los.

3. Todos os produtos têm o mesmo valor gastronômico, independentemente de seu preço. (esse é GENIAL!)

4. Usam-se preferencialmente produtos vegetais e do mar, laticínios, frutas secas e outros produtos que configuram uma cozinha leve. Nos últimos anos se faz muito pouco uso de carne vermelha.

5. Mesmo quando se modificam as características dos produtos (temperatura, textura, forma etc.), o objetivo é preservar sempre a pureza do sabor original.

6. As técnicas de cocção, tanto clássicas como modernas, são um patrimônio que o cozinheiro deve saber aproveitar ao máximo.

7. Como tem acontecido ao longo da história na maioria dos campos da evolução humana, as novas tecnologias são um apoio para o progresso da cozinha.

8. Além dos fundos (bases para molhos) clássicos, utilizam-se fundos mais leves de idêntica função (águas, caldos, consomês, sucos de verduras clarificados, leites de frutas secas etc.).

9. Um prato transmite informação que se desfruta através dos sentidos, mas que também se racionaliza através da reflexão. (é o “componente intelectual” da cozinha de vanguarda, muito interessante)

10. Os estímulos dos sentidos não são só gustativos: pode-se julgar igualmente com o tato (contrastes de temperaturas e texturas), olfato, visão (cores, formas etc.), e os sentidos se transformam num dos principais pontos de referência na hora de criar.

11. A busca tecnoconceitual é o vértice da pirâmide criativa.

12. A criação se dá em equipe. A pesquisa é uma nova característica do processo criativo culinário.

13. Rompem-se as barreiras entre mundo doce e mundo salgado dentro da cozinha.

14. Rompe-se a estrutura clássica dos pratos (ex: sorvete salgado como entrada). Nos pratos principais, acaba a hierarquia "produto-guarnição-molho".

15. Existe uma nova maneira de servir a comida – ex: acabamento dos pratos no salão, muitas vezes com a participação dos comensais.

16. Valorização do regional, vinculação com o próprio contexto geográfico e cultural, assim como com sua tradição culinária.

17. Releitura de produtos e elaborações de outros países segundo nosso próprio critério de cozinha.

18. Existem dois grandes caminhos para alcançar a harmonia de produtos e sabores: através da memória ou através de novas combinações.

19. Cria-se uma linguagem própria cada vez mais codificada, que em algumas ocasiões estabelece relações com o mundo e a linguagem da arte.

20. A concepção das receitas é feita para funcionar em pequenas porções.

21. A descontextualização, a ironia, o espetáculo são válidos, desde que não sejam superficiais e que se conectem com uma reflexão gastronômica.

22. O menu degustação é a expressão máxima da cozinha de vanguarda: uma estrutura viva e sujeita a mudanças.

23. O conhecimento e/ou a colaboração com experts de diferentes campos (cultura gastronômica, história, desenho industrial etc.) é primordial para o progresso da cozinha. Em especial, a cooperação com a indústria alimentícia e a ciência tem significado um impulso fundamental. Compartilhar esses conhecimentos entre os profissionais contribui para a evolução da cozinha.




sorvete de casca de limão com purê de amoras silvestres (foto: elBulli 2004)



trufa de chocolate branco, iogurte e azeitona preta com sorvete de manga (foto: elBulli 2004)

2 comentários:

Claudia Lima disse...

Parecem obras de Arte...
Bjs :)

Nádia Lamas disse...

Claudia, os livros dele são demais. Parecem livros de arte mesmo! Quando vc for a uma livraria legal aí nos EUA, tipo Barnes & Nobles, tenta ver se tem e dá uma folheada... bjs