sábado, 12 de janeiro de 2008

Nos idos de 1985, eu trabalhava como secretária da diretoria de uma empresa sueca. Não me entrosava muito com o pessoal do escritório, talvez porque eu tivesse pouco mais de 20 anos e os outros fossem pelo menos dez anos mais velhos.

Até que um dia chegou Suzanne, economista sueca recém-formada que, numa tentativa de fugir do frio, resolveu fazer um estágio por aqui. Logo ficamos amigas.

Nossos colegas de escritório deviam nos achar bastante excêntricas, pois vivíamos inventando coisas. Houve meses em que trocamos o almoço por uma academia de ginástica (naquela época, elas eram meio raras). Depois, com o Morro do Pasmado logo ali (o escritório ficava na rua da Passagem), passamos a fazer piqueniques. Preparávamos nossos sanduíches, arrumávamos o farnel e subíamos para almoçar sentadas na grama, sob o sol, achando aquilo a coisa mais saudável e original do mundo. Tudo correu muito bem até que um dia, enquanto comíamos felizes e despreocupadas, uma figura masculina saiu inesperadamente de um buraco, bueiro ou sei-lá-o-quê no chão, bem perto de nós. Foi o bastante para que interrompêssemos a refeição e nos lançássemos ladeira abaixo, com a certeza de que piqueniques no Pasmado, nunca mais.

Então veio a fase das extravagâncias gastronômicas. Todos os meses separávamos uma grana, escolhíamos um restaurante entre os mais bem conceituados pelos críticos e íamos lá almoçar. Fomos no Clube Gourmet, do Celidônio, que servia um tenro e variado bufê num casarão histórico de Botafogo. Excelente comida, ambiente aconchegante, adoramos.

Finalmente, chegou o dia de experimentar o mais estrelado de todos, considerado na época o melhor do Brasil: le Saint Honoré. O restaurante oferecia um preço fixo promocional no almoço e, munidas de coragem e das nossas economias, trocamos nossos jeans por uma roupinha mais transada e subimos até o último andar do Hotel Meridien.

Ao saltar do elevador, entramos num salão que guardava a imponência de um Palácio de Versalhes. Não é preciso dizer que a vista era um escândalo.
Com ar blasé, Suzanne e eu atravessamos o restaurante e nos acomodamos numa mesa junto à parede de vidro que dava para o mar. Todas as outras mesas estavam vazias. Olhamos para o elegante ambiente à nossa volta e começamos a ficar aflitas, pois não víamos nenhum bufê. Muito estranho. Teríamos que perguntar. Combinamos que seria Suzanne quem se dirigiria ao garçom, e em inglês. Assim, se cometesse alguma gafe, a tolerância seria maior; afinal, tratava-se de uma "gringa".

Um mâitre educadíssimo se aproximou da mesa, Suzanne perguntou pelo bufê. O homem, muito constrangido, desculpou-se e explicou, em francês, que não falava inglês. Nem eu nem Suzanne falávamos francês.

Houve alguns segundos de um silêncio perturbador até que eu, louca pra acabar com aquilo, perguntei, em alto e bom português, onde ficava o bufê. O mâitre, cada vez mais constrangido, explicou que não havia bufê, mas uma refeição composta por entrada, prato principal e sobremesa. Eu e Suzanne nos entreolhamos e lemos o pensamento uma da outra: seria o mesmo preço? Preocupação. Não podíamos nos dar o luxo de ter surpresas.

“OK, pode trazer”, eu disse, tentando aparentar naturalidade.

O primeiro prato era um "gâteau de brocolis", espécie de musse quente de brócolis que desmanchava na boca. Vinha acompanhado de um molho de camarões e lagostas. Podia-se sentir todo o frescor dos frutos do mar, toda a pungência de cada um dos temperos e o equilíbrio resultante de sua agregação, toda a textura aveludada da nata e da manteiga que davam a liga...

Depois veio um peixe, creio que um cherne, igualmente delicioso, e por fim a sobremesa: charlote de chocolate com molho de baunilha. Eu experimentava pela primeira vez a baunilha raspada da fava, tão diferente das essências artificiais, que dava um toque especial e inconfundível ao doce.

Tão intensos, ao mesmo tempo tão delicados... na verdade, não existem palavras que possam descrever corretamente as cores, os aromas, os sabores daquela refeição... ah, os sabores! Eles permaneceram comigo durante muito, mas muito tempo mesmo: não lembro se meses, anos... tempos depois, eu ainda era capaz de revivê-los, embora só os tivesse sentido uma única vez.

Ali, naquele dia, percebi que cozinha pode ser pura arte. Foi sem dúvida minha maior experiência gastronômica. Não tenho idéia de quanto custaria, em valores de hoje, um almoço como aquele. Só sei que jamais lamentei nenhum centavo do que ali foi gasto, e tenho certeza de que Suzanne, onde quer que esteja, também não.

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