"Na noite de Natal há uma pulsação acelerada no coração do mundo. É um tempo de exacerbação de sentimentos, quando presenças e ausências ganham maior intensidade.
Há quem não goste do Natal, torça para que passe depressa esse frenesi do consumo, com desempregados patéticos sentados entre eletrodomésticos, equilibrando seus mal colados bigodes de algodão, mais assustando do que encantando as crianças. Há muita dor nesse dia mesmo se a televisão afirma que o Natal é alegria, propondo o mundo surreal das compras em um megashopping superlotado. Essa histeria comprovaria a perversão de uma festa religiosa.
São verdades que não são toda a verdade. Dando o laço nos embrulhos dos presentes não me vejo estimulando o consumo e sim criando laços com que amarro a esperança de manter próximos e unidos os que chamo de meus. Não fosse a vida destruidora de laços e criadora de nós... Ainda assim, é possível preservar nossos gestos em um espaço interior, excêntrico às análises econômicas e que elas não têm o poder de desencantar.
O chamado sistema - o que quer que isso queira dizer em sua imprecisão conceitual - não expropria a vida do sentido que lhe damos, a exemplo do valor das memórias do Papai Noel da infância, indeléveis, revividas nos que hoje ainda são crianças e acreditam em um ser que não existe mas lhes é benfazejo. Essas também entram no pacote dos críticos do Natal. Uma tolice, dizem, fazer acreditar no que não existe.
O que seria de nós sem as coisas que não existem? O mundo seria de uma banalidade insuportável e, nós, prisioneiros dos cinco sentidos. Não aconteceria, por exemplo, a literatura, essa arte de dar vida a criaturas imaginárias que, no entanto, nos acompanham vida afora. Se às crianças basta crer para ver, aos adultos também. (...)
Há uma inocência nessa noite em que se dá presente, come-se bem, misturam-se gerações e, imperceptível, vive em cada um de nós um Deus pobre e nu, mas acalentado, a quem reis magos trazem ouro, incenso e mirra. (...) Esse Deus cedo ou tarde encontrará seu Judas e morrerá na cruz. Mas terá tido sua noite feliz, sua noite de criança.
(Rosiska Darcy de Oliveira)
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