Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca." Fiquei em silêncio, aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura.
"Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, fui para a cozinha fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal, sem surpresas. Mas, cortada a cebola, olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... agora, tudo o que vejo me causa espanto."
Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui até a estante e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... os poetas ensinam a ver."
Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra."
"Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. (Rubem Alves)
sábado, 13 de março de 2010
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2 comentários:
Nádia,
Quando entrei na casa de Nerruda, no Chile, senti uma vontade de me sentar e ler todos os livros da estante....
Beijocas.
KB
Kátia,
Dizem que a casa dele é o máximo, tenho muita vontade de conhecer. Beijos!
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